A cidade de Sapezal (MT) amanheceu despedaçada por um crime que ultrapassa o limite da tragédia familiar e escancara o colapso silencioso da saúde mental no Brasil. Dione Martins Vicensi, de 71 anos, morreu nesta terça-feira (11) depois de sobreviver — por pouco — aos golpes brutais de um pé-de-cabra desferidos pelo próprio filho, Marion Martins Vicensi, 40 anos.
O que aconteceu dentro da residência da família, no bairro Águas Claras, entre a noite de segunda-feira (10) e as primeiras horas do dia seguinte, ainda assusta até os socorristas que tentaram salvar a vítima. Segundo informações da Polícia Civil, Marion teria sofrido um surto psicótico, interrompendo qualquer noção de realidade antes de atacar a mãe com violência desmedida.
Testemunhas relataram que os gritos foram tão desesperadores que ecoaram por toda a rua. Ainda assim, não houve tempo para impedir. Quando uma equipe do Samu chegou ao imóvel, Dione estava agonizando, com múltiplos ferimentos. Ela foi levada ao Hospital Municipal, mas não resistiu. O último olhar que ela lançou ao mundo foi dentro de uma emergência — por causa de alguém que ela mesma colocou no mundo.
Logo após o ataque, Marion foi preso em flagrante. Mas a prisão, por si só, não encerra a tragédia. O que está por trás do crime levanta perguntas difíceis, incômodas e até dolorosas: falhou quem? A família? O Estado? A saúde pública? Ou todos ao mesmo tempo?
Durante a audiência de custódia, a defesa apresentou documentos médicos que indicam que Marion sofre de esquizofrenia e transtorno bipolar, com histórico de surtos, crises e tentativas fracassadas de internação. Ou seja: a violência daquela noite não surgiu do nada. Ela vinha sendo anunciada, ignorada e adiada — até que se tornou incontornável.
A Justiça de Mato Grosso decidiu converter o flagrante em prisão preventiva e instaurar um incidente de insanidade mental para avaliar se Marion compreendia o próprio ato no momento do ataque. O juiz, ao fundamentar a decisão, destacou a “violência extrema” e o contexto de violência doméstica, num quadro típico em que a vítima se torna prisioneira da própria casa, da própria família e — no caso de Dione — do próprio filho.
Ao mesmo tempo, a Justiça determinou que a Secretaria Adjunta de Administração Penitenciária verifique a possibilidade de internação provisória, caso o laudo psiquiátrico confirme necessidade de tratamento intensivo. Até lá, Marion permanecerá preso preventivamente, devendo receber atendimento médico dentro do sistema penitenciário.
Enquanto os trâmites jurídicos avançam, a cidade enterra uma mulher que morreu tentando sobreviver ao filho. Os laudos vão explicar porcentagens e diagnósticos. As audiências vão analisar culpabilidade e imputabilidade. Mas o que nenhuma perícia será capaz de medir é o tamanho do horror que uma mãe enfrentou sozinha dentro da própria casa — e o silêncio que permitiu que tudo chegasse tão longe.