A rotina de crianças que dividem o convívio entre diferentes lares é cada vez mais comum no Brasil. Em muitos casos, esse arranjo funciona de forma equilibrada e afetuosa. Porém, quando há indícios de sofrimento emocional, resistência ou desconforto, a atenção dos adultos pode ser decisiva. A falta de escuta e acolhimento pode permitir que situações delicadas evoluam de forma inesperada — e foi isso que chocou moradores da Cidade Estrutural, no Distrito Federal.
Rafaela Marinho Souza, de 7 anos, era conhecida na comunidade como uma menina carinhosa e tranquila, segundo vizinhos, professores e familiares. Ela estava sob os cuidados do pai e da madrasta devido à rotina escolar. A família da mãe vive em Valparaíso de Goiás, e relatos recentes mostravam que Rafaela demonstrava vontade de passar mais tempo com ela. A irmã da menina descreveu que, em diversas conversas, Rafaela demonstrava não querer retornar à casa onde morava com o casal, embora sempre acabasse voltando por conta dos compromissos escolares.
Na última sexta-feira, a menina foi encontrada sem vida dentro da própria residência. A principal investigada é a madrasta, Iraci Bezerra dos Santos Cruz, de 43 anos, que se apresentou voluntariamente à polícia e foi detida em flagrante. A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros confirmaram o falecimento da criança, e a ocorrência foi registrada como homicídio qualificado. A casa foi isolada para perícia, e diversos profissionais da segurança pública foram acionados, pois moradores, abalados pela notícia, tentaram se aproximar do imóvel em meio ao choque coletivo.
Familiares conversaram com a imprensa e, entre as declarações, o que mais chamou atenção foi a recordação sobre a personalidade de Rafaela. A irmã afirmou que a criança era doce, afetuosa e gostava de brincar e conversar. O questionamento que hoje ecoa para muitos é: como uma menina com tal perfil poderia ter vivido algo tão doloroso sem que previsões mais claras fossem percebidas?
Especialistas na área da infância ressaltam que falas reiteradas de uma criança sobre desconforto em um ambiente merecem atenção imediata, independentemente do nível de aparente gravidade. Crianças nem sempre conseguem verbalizar com clareza o que sentem, mas demonstram por meio de comportamentos, reações emocionais e mudanças abruptas na rotina. Choro frequente ao voltar para determinado local, medo exagerado ou tentativas de permanecer mais tempo com um membro da família podem ser sinais importantes.
O caso reacendeu debates sobre segurança infantil, escuta ativa, acompanhamento psicológico e acompanhamento efetivo em contextos de guarda compartilhada. Profissionais da área apontam que denúncias e queixas precisam ser tratadas com prioridade e sem minimizações, especialmente quando o menor passa parte significativa do dia longe do responsável habitual.
Enquanto as investigações seguem, familiares e moradores seguem em luto pela perda e em busca de respostas. Rafaela deixa não apenas saudade, mas também um alerta doloroso sobre a importância de ouvir e proteger as crianças sempre — e de não ignorar quando elas tentam expressar que algo não está bem.