A despedida de Gerson de Melo Machado, de 19 anos, conhecido na região como “Vaqueirinho”, chamou atenção pela grande solidão que marcou seus últimos momentos. O jovem, que perdeu a vida ao invadir o recinto de uma leoa no Parque Arruda Câmara, em João Pessoa (PB), foi velado e sepultado nesta segunda-feira (1º) na presença de apenas duas pessoas: sua mãe e uma prima.
O cenário, descrito por familiares e relatado por veículos de imprensa, trouxe à tona uma história complexa, permeada por vulnerabilidade social, transtornos psicológicos não tratados e uma rede de apoio insuficiente. Gerson havia sido diagnosticado com esquizofrenia e ao longo da vida enfrentou uma série de dificuldades, desde a perda do vínculo familiar até longos períodos em abrigos públicos.
Sua mãe, Maria da Penha Machado, também diagnosticada com transtornos mentais, perdeu o poder familiar há mais de uma década. Ainda assim, foi ela quem precisou fazer o reconhecimento do corpo no Instituto Médico Legal antes do sepultamento simples no Cemitério do Cristo. Com pouca estrutura emocional e social, a família realizou apenas um breve momento de despedida.
Ao longo dos anos, Gerson viveu experiências marcantes que evidenciam sua vulnerabilidade. Enquanto seus irmãos foram adotados, ele permaneceu em instituições de acolhimento, muitas vezes rejeitado por apresentar sintomas psiquiátricos que exigiam acompanhamento especializado. Conselheiros tutelares que o acompanharam relataram que o jovem frequentemente fugia dos abrigos para buscar a mãe, em um esforço contínuo de reencontrar a família que nunca deixou de desejar.
Segundo relatos de pessoas próximas, Gerson demonstrava comportamentos que, muitas vezes, o colocavam em risco. Há registros de que ele provocava sua própria detenção atirando pedras em viaturas, acreditando que a prisão era um local onde teria comida e segurança. Essa busca por acolhimento, ainda que em condições adversas, ilustrava sua necessidade de amparo emocional.
Desde pequeno, ele alimentava um sonho fantasioso: dizia que um dia iria para a África “domar leões”. Esse imaginário o acompanhou até a idade adulta, inclusive resultando em episódios perigosos, como quando tentou entrar no trem de pouso de um avião para realizar esse desejo.
No dia da tragédia, 30 de novembro, Gerson ultrapassou barreiras de segurança e alcançou o recinto da leoa Leona, onde acabou sendo atacado. As investigações seguem em andamento e o Parque Arruda Câmara permanece fechado temporariamente. As autoridades afirmaram que a leoa não sofrerá qualquer tipo de penalidade e está sendo monitorada pela equipe técnica.
O caso reacende discussões importantes sobre a necessidade de ampliar o suporte para jovens com transtornos mentais e sobre como redes públicas de proteção podem ser fortalecidas para evitar que histórias como a de Gerson sigam um percurso tão solitário. Sua despedida silenciosa tornou-se um retrato doloroso das lacunas ainda existentes no cuidado com pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.