A morte de uma criança jamais deveria fazer parte de um prontuário médico — e, no entanto, o nome de De’Markus Page, apenas 2 anos de idade, agora está registrado não como um paciente em tratamento, mas como vítima de um erro que poderia ter sido evitado. O caso, que já provoca indignação pública nos Estados Unidos, levanta questões perturbadoras sobre responsabilidade médica, supervisão hospitalar e o peso mortal de uma simples vírgula.
De’Markus deu entrada no Hospital Infantil Shands, da Universidade da Flórida, no início de 2024. O quadro clínico era complicado: o menino havia contraído um vírus e apresentava sinais de desnutrição severa devido a uma dieta extremamente seletiva, relacionada à suspeita de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Além disso, seus níveis de eletrólitos estavam perigosamente baixos — algo que exigia monitoramento permanente e conduta medicamentosa precisa.
Mas o que deveria ser um tratamento minucioso transformou-se em uma tragédia irreversível. Segundo denúncia da família, obtida pelo portal Law&Crime, o médico responsável teria prescrito uma dose oral de fosfato de potássio com erro numérico significativo. A dose correta era 1,5 milimol — mas foi registrada como 15 milimol. Dez vezes mais do que o corpo fragilizado de uma criança de dois anos poderia suportar.
O erro, porém, não parou na prescrição. Ele passou por enfermeiros, revisores e equipe de administração sem ser detectado. O medicamento foi administrado — e, dentro do quarto do hospital, iniciou-se uma sequência de reações fisiológicas que logo se tornariam fatais.
De’Markus sofreu uma overdose severa, seguida de parada cardíaca. A família afirma que foram necessários quase 20 minutos para que a equipe médica percebesse o que realmente estava acontecendo. Ainda segundo o advogado Jordan Dulcie, houve dificuldades na intubação, prolongando ainda mais o período em que o cérebro da criança ficou sem oxigênio.
De’Markus chegou a ser reanimado, mas o dano estava feito: o menino sofreu uma lesão cerebral anóxica irreversível. Ele ficou internado durante duas semanas, neurologicamente rebaixado, dependente de ventilação mecânica, sem qualquer perspectiva de recuperação. O diagnóstico final não deixou dúvidas: morte cerebral.
A família iniciou uma ação judicial por homicídio culposo, afirmando que a luta agora vai além do luto. Eles querem que o caso siga para júri — não apenas para responsabilizar o hospital, mas para evitar que “outra família viva o mesmo pesadelo”.
O hospital, por sua vez, recusou-se a comentar detalhes do caso. Em nota oficial, afirmou estar comprometido com a privacidade dos pacientes e com a legislação do HIPAA — reforçando que não pode divulgar informações médicas sem consentimento.
Mas mesmo com silêncio institucional, uma verdade desconfortável ficou evidente: dentro de um ambiente que deveria representar cura e segurança, uma vírgula — um único caractere — separou a vida e a morte.